As Passeadeiras

M(ã)etamorfose

Um título engraçado para um assunto denso, que vou tentar abordar da forma mais leve possível: Metamorfose, ou como eu venho mudando ao longo dos anos, desde senti, pela primeira vez, aquela vontade enorme de ser mãe.

Casei com 32 anos e não demorou muito para o desejo aparecer. O que demorou foi a gravidez, ou melhor, uma gravidez saudável. Foram 4 tentativas frustradas antes de Manoela decidir que ficaria conosco e, mesmo assim, apressadinha, veio antes do tempo. Durante a gravidez, alguns sustos e começavam ali as mudanças. Quando ficar grávida, vou fazer exercícios, não vou engordar, não vou tomar remédio pra enjôo… O que posso dizer? A dor ensina a gemer.

Foram 10 dias de CTI neonatal, o leite não descia, ela com 1,8 kg e o “não vou dar fórmula” virou “ela precisa se alimentar”. Minha pequena guerreira lutava para viver e eu é que não ia atrapalhar. Depois o leite desceu e foi aquela luta da amamentação. Os dias de hospital foram uma escola e quando chegou em casa eu estava preparada para cuidar de um bebê. Só que não foi bem assim, prematura e com refluxo, a alimentação continuava sendo uma luta e era preciso ficar 1 hora com ela no colo, na vertical, para que o leitinho precioso não voltasse. “Filha minha não dorme na minha cama”, só até você precisar ficar com ela no colo, no inverno e sem poder usar ar condicionado.

Manô na CTI neonatal

E assim foram tantas mudanças, de conceito, de paradigma, minhas metamorfoses. Adaptações à minha realidade e, principalmente, ao bem estar da minha família. Ao longo do tempo eu passei a prestar mais atenção naquilo que eu realmente acreditava do que aquilo que eu ouvia ou lia e tentava aplicar. A maternidade me ensinou que o método da tentativa e erro é válido, sim, e eu uso com frequência até hoje. Adaptação é a qualidade dos reis e a maternidade é rainha caprichosa, exige atenção permanente e constante troca de rumo. Eu li e assisti na TV que o certo era deixar o filho sozinho no quarto, chorando, para aprender a dormir sozinho.

Na primeira (e única) vez que fiz isso, minha filha vomitou de tanto chorar e eu só vi de manhã. Sentei no chão e chorei de remorso, enquanto resolvia nunca mais deixar de seguir meus instintos. Pedi perdão a ela enquanto dava banho e jurei que nunca mais isso aconteceria. Lembrei do conselho do pediatra, ainda na maternidade: “Faz o que te faz feliz. Mãe feliz, neném feliz”, disse ele. “Segue teus instintos e aprende diariamente”. Demorei um pouco, mas aprendi a lição.

Peguei muito no colo, as duas dormiam em cima de mim, durante muito tempo. Com ambas aconteceu de ficarem pesadinhas e chegar o dia de eu colocar para dormir no berço. Preparada para passar a noite em claro, quem não dormiu fui eu, mal acreditando na tranquilidade com que pegaram no sono e dormiram até de manhã. Como assim? Nem sentiram minha falta? Não, obrigada! 

De lá para cá foram muitas mudanças mais, comportamentos, pré-conceitos, regras e definições que foram adaptadas. Cada filho uma situação diferente, um olhar diferente, um comportamento diferente, mas o mesmo amor e a mesma vontade de acertar, de fazer o que é melhor.  Aprendi a abrir mão do controle total para dar a elas espaço para serem elas mesmas. Aceitei riscos e percebi que muito pouca coisa está realmente sob nosso domínio. E sim, ainda sofro com isso… mas lido agora com mais serenidade, entendo que é um problema meu, não delas.

De tudo, uma coisa não mudou em mim. A consciência que tenho aqui a oportunidade de orientar 2 pessoas, desde o início de suas vidas. A noção que são, antes de mais nada, seres humanos capazes e passíveis de ter vontade própria, merecedores de respeito e consideração. Pessoas, antes de serem minhas filhas, que hoje são crianças, mas logo serão adultas. Se erro com elas, peço desculpas, reconheço. Se elas erram exijo que façam o mesmo. Tento muito perceber quando uma discussão acontece por ego ou disputa de poder. Na maternidade e na vida. Mas não abro mão da autoridade. Ouço, pondero, mas aqui em casa a última palavra é dos adultos.

O que não mudou? Não mudou o que eu desejo a elas, desde que estavam em minha barriga. Que lembrem da infância com amor no coração. Que sejam pessoas dignas e corretas, que façam o bem, que saibam pensar por si. Que errem e aprendam com seus erros, que se perdoem e sigam em frente. Que tomem suas decisões e mudem quando for preciso. Que hajam com inteligência e sabedoria. Que sejam felizes e voem longe. Quando bate o medo eu lembro do meu mantra, lembro que eu sou o arco e elas, as flechas vivas:

 

Os Filhos  (Khalil Gibran, poeta libanês, em “O Profeta”)

“Teus filhos não são teus filhos. 
  São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
  Vêm através de ti, mas não de ti. E embora vivam contigo, não te pertencem.
  Podes outorgar-lhes teu amor, mas não teus pensamentos,
  Porque eles têm seus próprios pensamentos.
  Podes abrigar seus corpos, mas não suas almas;
  Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
  Que tu não podes visitar nem mesmo em sonho.
  Podes esforçar-te por ser como eles, mas não procures fazê-los como a ti,
  Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
  Tu és o arco dos quais teus filhos são arremessados como flechas vivas. 
  O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e te estica com toda a sua força
  Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
  Que teu encurvamento na mão do arqueiro seja tua alegria:
  Pois assim como ele ama a flecha que voa,
  Ama também o arco que permanece estável.”

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Beijo (da mãe) das Passeadeiras!

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