“Vocês são os piores pais do mundo”.
A clássica frase que 10 entre 10 crianças falam logo após terem algum pedido negado. Se você tem filhos, mais cedo ou mais tarde ela virá.
Mesmo conhecendo o golpe, quando ele chega, dói. Resisto ao primeiro impulso de revidar e ao invés de continuar o drama, baixo o tom de voz e digo para ela ir para o quarto, pensar sobre o que acabou de acontecer. O cansaço parece vir de outras vidas.
Agradeço os anos de terapia e sento enquanto o marido faz um café, solidário. Fecho os olhos concentrada no cheiro da bebida e faço um esforço para controlar os pensamentos que aceleram. Esvazio a mente, lembrando o treinamento. Meditar é a coisa mais difícil que eu aprendi na vida, mas é a que mais trouxe resultado. O silêncio mental tem sido um bom conselheiro.
Bebo o café, dou um beijo no marido e caminho devagar até o quarto das meninas, que me olham feio já na chegada. Sento na cama sentindo cada osso do meu corpo e digo que precisamos conversar.
Manoela pula na frente e pede desculpas, diz que já pensou e sabe que falou bobagem. Certamente querendo evitar o que vem a seguir. Nice try, baby.
Eu digo, ok, desculpas aceitas, mas ainda precisamos conversar sobre isso. Ela não gosta muito, mas não retruca. Sem dar importância ao suspiro que recebo como resposta, começo.
– Quero que as duas saibam que vocês tem todo o direito de discordar de mim e do pai de vocês.
Os olhos se arregalam.
– Quero dizer às duas, que vocês podem brigar pelo que vocês acham certo, argumentar, discutir até. Mesmo que isso me cause irritação. Mesmo que eu fique exasperada, braba e muito, muito cansada. Vocês tem todo o direito.
As duas se olham, incrédulas, e eu continuo.
– Eu tenho, inclusive, o maior orgulho de ver vocês lutando pelo o que querem ou acham certo. Seria uma imensa frustração para mim ter duas filhas inertes, que aceitam tudo o que escutam, sem pensar nem contestar nada.
Vejo um pequeno sorriso se formar. Bingo.
– O que vocês não podem fazer é faltar com o respeito ao lutar pelos seus direitos. O que vocês não podem fazer é passar dos limites da educação e da convivência saudável, porque somos uma família e é na família que aprendemos a viver em sociedade.
– Se vocês não aprenderem a argumentar usando a inteligência aqui em casa, não saberão fazer isso amanhã, na escola, no trabalho, nas suas relações. Ainda que, por vezes, o uso de alguma força verbal seja necessário, é preciso aprender também quando e como fazer isso, sem dramas nem ofensas.
– Porque dramas e ofensas até podem ganhar uma discussão, mas fazem perder o respeito por vocês. Vocês querem, ainda que não tenham consciência disso, respeito pelas suas opiniões. Por que isso vai trazer confiança ao longo do tempo. Dos outros, para com vocês e, principalmente, em si mesmas.
– Finalmente, ouvir os argumentos de vocês não significa que eu tenha que concordar com eles. Vocês precisam entender que nem sempre vão conseguir as coisas que querem, na hora que querem. E tem que aprender a lidar com isso, sem que a casa caia.
– Da minha parte, eu tenho que ouvir vocês com o mesmo respeito que exijo. Mas entendam que a decisão final é minha e do pai de vocês. Porque aqui nós somos os adultos responsáveis e cabe a nós, somente a nós, as decisões finais. Às vezes vamos fazer o que vocês querem, às vezes, não.
Levanto, dou um beijo em cada uma e saio devagar. Quase na porta, Manoela me chama e dá um meio sorriso, assim de lado. Respondo com uma piscadela e saio pelo corredor, satisfeita.
Para bom entendedor, meio sorriso basta.
________________________________________
Leia outros artigos sobre maternidade e infância aqui:
Sai daqui que eu não quero te ver
Liderança feminina e a síndrome de Rapunzel