As Passeadeiras

Procurando Pokémon Go

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Procurando Pokémon Go

No artigo de hoje Circe Palma faz uma análise do jogo mais bombado do momento: Pokémon Go e faz sua análise, como sempre muito lúcida, sobre como lidar com a febre que tomou conta do mundo.

“Papai, achei outro! Grita o garoto, com seu tablet na mão, ora caminhando, ora correndo, entre as plantas do Jardim Botânico. Todos querem confirmar, afinal o menino já está quase no décimo nível do jogo. Nem o pai, chegou até aí. A irmã, apesar de mais velha, dez anos, acredita que irá ultrapassar o irmão.

Seguem na brincadeira, felizes. Satisfeitos na captura dos monstrinhos que conferem poder, força, luz, enfim, muitos dos elementos necessários para as lutas que devem enfrentar. Para as crianças, lutas e guerras de um mundo imaginário. Para o pai, luta e guerra do seu dia a dia. Luta da vida diária, no trânsito, no trabalho, no viver de cada momento.

E assim, o domingo de sol, lindo, quente, claro é aproveitado por eles numa parceria e amizade que bem demonstra a amorosidade que anima os três.

O jogo do Pokémon Go é a mais nova atração do momento, ou já foi, e  traz em seu nome  a própria natureza do jogo: pocket- monsters. A rapidez com que as coisas acontecem no início deste séc. XXI, nos  faz pensar que, neste exato momento, o jogo já foi esquecido, ultrapassado e outro até já pode ter surgido em seu lugar.

O pai, sempre atento aos filhos, define que o melhor local para exercitar e participar do jogo é um local aberto, com pouco perigos. Ali, em meio as plantas, num ambiente até certo ponto protegido, os filhos podem caçar os monstrinhos (como são chamados os Pokémons), valendo -se da dinâmica do jogo que acontece intercalando o mundo virtual e o real.

A sensibilidade do pai, ao correr com os filhos e participar, mostra não apenas cuidado e proteção, mas sobretudo, faz perceber a importância de orientar os filhos.

Não crianças! Por aí, não. O mato é muito fechado, vocês podem se perder ou se  machucar. Mas papai, eu acho que lá dentro do mato, tem muitos, reclama o garoto. Mas aí, não pode, reforça o pai. Diante da insistência, o pai, jovem paciente e compreensivo, aproveita a situação e explica. Meu filho, nem sempre a gente consegue pegar o que quer. Avalie o risco que você estará tendo de fato, para acrescentar mais alguns Pokémons. Se eu conseguir mais uns eu passo de nível, papai. Então, consiga, diz o jovem. Mas não se arrisque a ponto de perder a si mesmo. De que valeriam estes Pokémons, se você não pudesse mais sair da mata, não é mesmo?

Como todos os jogos ao longo dos tempos, este não é diferente. Ele envolve o jogador, não apenas as crianças. Os adultos também estão bastante motivados, na busca de poderes. O jogo ganhou muita repercussão talvez devido aos  elementos que oferece e que  permitem àquele que conquista os personagens, uma sensação de “engrandecimento”, de poder  perante os outros. A novidade do formato que mistura o real e o virtual, também parece ter sido um dos motivos que fez o jogo ganhar todo este espaço que ora acompanhamos.

No entanto, quando mistura o real com o virtual, esta situação pode se tornar um tanto  perigosa para  crianças que estão ainda construindo seus próprios saberes. A criança internaliza conceitos a partir da exploração e da representatividade que constrói com suas experiências. No momento em que ela entra em contato com o mundo externo, este lhe oferece elementos que as fazem construir conceitos fundamentados na realidade. São suas experiências exploratórias de observação que lhes permitem construir e elaborar novos conceitos, estabelecendo, assim uma lógica. A lógica que existe de fato no mundo real.

Quando jogam no mundo virtual esta lógica não existe, não segue os mesmos parâmetros do mundo real. Assim, ao entrar no lago, não se molham de fato. Ao cair de um penhasco não sentem nada, nem se machucam e nem morrem. No mundo virtual elas tem muitas vidas que podem ser recuperadas, restauradas, conforme os poderes, a luz, a força de cada monstrinho que conquistam. Esta aparente confusão é mais facilmente superada pelas crianças maiores que já conseguiram construir seus conceitos. Ou até mesmo os adultos quando jogam, sabem que ao parar de jogar, tudo volta ao normal, ou seja ao real. E sabem que devem trabalhar, que devem pagar as contas, que tem compromissos a cumprir e qual a consequência de cada uma destas situações.

As crianças pequenas, ao contrário, ainda não tem estes pilares da realidade exatamente prontos, construídos. Portanto, a cada desafio que tem que passar durante o jogo, podem perfeitamente confundir o virtual com o real. Diferente do imaginário, da fantasia.

Assim, o faz de conta assume um papel importante para que se estabeleçam as relações com o  mundo real. A água pode ser um café com leite ao brincar de xicrinhas. É aceito perfeitamente que as trocas feitas, (como as plantinhas de folhas verdes,  que se tornam comidinhas, como os carrinhos que correm em disparada pela pista, e assim por diante ) logo voltem ao que de fato são. Nestes momentos o emocional se reequilibra, os sentimentos de auto estima se firmam, pois foi possível conseguir tal coisa. Uma casa na árvore pode ser um complexo posto de observação que faz parte de um laboratório altamente sofisticado. Pedaços de madeira podem ser os bancos e os pedais de um carro e por aí vai. Tudo irá voltar ao normal e o mundo real irá novamente reassumir seu lugar de fato. Mas o mundo virtual não permite este trânsito. Pode se instalar uma certa confusão, até. Quando não definem com precisão, estas fronteiras, as crianças automaticamente ficam desprotegidas e sentem-se perdidas num espaço que é, mas que pode a qualquer momento não ser, (como acontece no mundo virtual). Os pilares espaco-tempo deixam de ser referenciais seguros. Eles podem mudar a qualquer momento, independente da ação da criança.

Quando brincam, criam na sua fantasia um imaginário que as transporta para um mundo criado por elas e, principalmente, sobre o qual elas tem total domínio. Podem sair dele a qualquer momento e tudo que acontece ali tem a sua mão, isto é, as crianças têm domínio e controle sobre este mundo imaginário. Podem sair dele quando  e se quiserem. Este ir e vir permite a elas elaborarem traumas, desgostos, tristezas. O que não acontece de fato (no real), pode acontecer nestes momentos. É isto que reequilibra seu lado emocional, permitindo que aprendam a viver e superar frustrações.

Os jogos eletrônicos, como o pockmon go p.ex. tem outra filosofia. São os personagens do jogo, os monstrinhos que tem o domínio. As crianças precisam conquistar seus poderes para que possam também ter seus próprios espaços e sentirem – se capazes, competentes. Como se a força interior de cada criança só pudesse ser conseguida a partir destes personagens.

O jogo em si, não representa nenhuma ameaça aparente ao bem estar das crianças, mas os adultos devem ficar atentos à forma como elas estão se envolvendo com o jogo. É preciso não deixar que as confusões assumam papéis mais importantes que as verdades construídas a partir das experiências.

Brincar é uma das formas mais antigas de reequilibar as próprias emoções, e segundo Winnicott, é no brincar, e somente no brincar que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self).”

 

 
 
 
 
 
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