Mariana tem o dom da palavra, adoro ler o que ela escreve nas redes sociais e admiro muito o jeito com que lida com a maternidade. Sem dramas, despojada, com amor e alegria genuínos, é mãe de dois meninos lindos e também divide o consultório odontológico com seu marido Fausto, um amigo muito querido da nossa família, há muitos anos. Seja muito bem-vinda Mari e obrigada pelo texto delicioso.
Eu sou a Mariana, mãe do Vicente e do Antônio, dentista e passeadeira de carteirinha. Além da minha família e profissão, alimento outros amores, entre eles, escrever. Pretendo, portanto , colaborar trazendo um pouco de informação odontológica e um pouco de devaneio materno.
Meu filho, você pode!
Escolhi estrear contando uma experiência que une exatamente os dois temas: um tratamento de canal em uma criança de 1 ano de idade. No caso, o Vicente, meu primeiro filho. Era final de ano e, estávamos saindo para o nosso programa familiar de sábado pela manhã, quando, naquele segundo fatídico (aquele que fica na linha tênue entre o descuido e o “Não dá para passar o dia olhando para a criança “) o Vicente despencou de uma altura considerável, caindo, literalmente, de cara no chão.
Aí segue meu primeiro conselho prático: tente sublimar a choradeira, o estardalhaço. Caso não seja possível, delegue essa tarefa para um terceiro que consiga (de preferência, já deixem isso combinado em casa, pois, fatalmente, será necessário). Quando uma criança se machuca, pelo menos em acidentes domésticos, de menores proporções, é preciso rapidamente certificar-se da extensão do dano. Portanto, engula o choro (o seu e o dele ) e o leve para um local seguro, onde possa examinar com mais calma, luz e método. Foi o que fizemos na ocasião e continuamos fazendo após os inúmeros “tombos” dos guris. O Vicente tinha 11 meses e logo vimos que o tombo havia machucado a região dos lábios e/ou dentes (alguns recém, outros ainda nem erupcionados).
Levamos para dentro de casa, o seguramos, limpamos a região e confirmamos: havia lesionado lábio e incisivos superiores. A região costuma sangrar bastante, o que num primeiro momento, pode assustar. Nos casos de trauma dentário, existem algumas consequências esperadas, desde a reabilitação total e sem maiores prejuízos, a necessidade de endodontia (tratamento de canal ) até a perda do(s) dentes(s) em questão.
É importante avaliar se há mobilidade dentária, intrusão, extrusão, avulsão ou fratura. Obviamente, a pessoa mais indicada para uma avaliação exata é o odontopediatra e, este deve ser contatado o quanto antes. De qualquer forma, é importante que alguém possa num primeiro momento acalmar o contexto e avaliar, obter dados. Mostrar segurança, conduta resolutiva e prática (as mães também são atrizes, não esqueçam disso) já é um óóóótimo começo. Eu e meu marido somos dentistas e até aqui, seguimos a cartilha cheios de estrelinhas!
Consulta com a odontopediatra, lá vamos nós!!! Um dia antes da consulta, já começamos, brevemente, a preparar o terreno. Explicando ao maior interessado, passo a passo, o que aconteceria na consulta que estava por vir. Sim! Uma criança (ou seria um bebê ?) de 11 meses já é capaz de entender, até pela entonação da nossa voz, o nosso recado. E aí começa a grande , importante, determinante, participação dos pais ou responsáveis: qual é o recado que queremos transmitir?
Você pretende dizer ao seu filho que ele precisa ir a um lugar, mas esse lugar é horrível! Ou, quem sabe, que ele, pobrezinho, não merecia isso, mas enfim….aconteceu! Ou, talvez, que ele vai a um lugar meio chato, mas depois vai ganhar um presente lindo! Ou, ainda, que ele vai ao dentista (aquele mesmo que foi usado tipo bicho papão para chantagear em outra situação)???? Ou pior: que ele vai a um lugar muuuuuuuuuuuito legal (não sou adepta aos exageros, menos ainda nesse caso).
Será que nesses pequenos, desagradáveis e inesperados momentos não está uma grande amostra do tipo de pais que somos, ou melhor, do tipo de mundo que estamos apresentando aos nossos filhos? Por algum tempo, eles enxergam esse mundo através do filtro dos nossos olhos, do nosso discurso, das nossas reações. No caso do Vicente, explicamos que ele PRECISAVA ir na dentista, para que o dentinho dele ficasse bom logo.
Que, mesmo que doesse um pouquinho, logo iria passar, e que estaríamos ali. E que ele podia . ELE podia. Pense bem: MEU FILHO, VOCÊ PODE! E não se trata de um adolescente indo prestar o vestibular. E sim de um bebê indo se submeter a um tratamento de canal. A sequência dos dias, culminando em um abscesso dentário mostrou a necessidade do tratamento. Daí pra frente foram duas, três sessões doloridas para todos e sob todos aspectos. Era inevitável. Difícil ver aquele sofrimento e ter que segurar no “osso do peito”.
O fato de saber o que estava sendo feito, só piorava a situação, podem ter certeza. Mas, o mais engraçado, era ver , alguns minutos depois, uma criança refeita de seu sofrimento, como se nada houvesse acontecido, ainda que soluçando. O pior não acontecera. O Vicente seguiu sua vida na “algoz” cadeira odontológica, tranquilamente, sem traumas ou fantasmas, sem medos ou fantasias. Não existe trauma maior do que sentir-se abandonado aos próprios assombros, do que fazer sobressair a dor emocional à dor física.
Enquanto as fraturas forem físicas, recuperáveis, é nosso dever, enquanto pais, delimitar o problema no seu real tamanho. O tamanho da realidade. O que precisa ser feito, deve ser feito. Conversar, explicar, argumentar (mesmo que ludicamente ) sempre é o melhor caminho. Apresente o dentista ao seu filho como um aliado à manutenção da sua saúde. Trabalhe sempre com a REALIDADE. Dessa forma você conquistará sua confiança. E eles não alimentarão fantasmas.
A cadeira odontológica foi só um tudo de ensaio. Os tubos de ensaio aparecem todos os dias, na hora da refeição, na hora da brincadeira, na socialização, no inesperado, na vida. Para nós e para eles. Aproveitemos as experiências para refletir sobre que sentimentos estamos fomentando nos nossos pequenos homens. E, para, com verdade, ajudá-los a construir caminhos com mais descobertas, desafios, experiências, flores, aromas, vínculo, amigos. E menos bixos-papão, ameaças, desconfiança, perigos, pedras intransponíveis, fugas.
E sempre que precisarem que possamos estar ali para lembrá-los: MEU FILHO, VOCÊ PODE!
Adorei teu texto, Mariana! Vou aplicar com minha filha o : você pode!!!!! Obrigada.